Li que o primeiro passo para o tratamento de uma dependência é admitir que dela se sofre. Eu admito, sou dependente de livros. O seu cheiro, a sua textura, as suas palavras e os seus misteriosos segredos fascinam-me, fazem-me desejá-los. Desde novo que é assim. Acordo todos os dias e vejo-me mergulhado nos livros. Já não sei o que devo fazer para me livrar deste vício. Já tentei imaginá-los feios e sujos, mas há sempre aquele brilho e encanto, mesmo no livro mais mal-parecido. Tentei olhar para o lado, mas não consigo evitá-los. Estão por toda a parte. Nas mesas, nas estantes, nos peitoris das janelas, nas mesinhas de cabeceira e até no chão da casa de banho.
Tudo começou no meu primeiro dia de trabalho na livraria. Sentia-me como um recém-nascido. Era novo, apresentava uma linda tez branca e brilhante e via com entusiasmo essa pequena livraria. Sempre tinha sentido curiosidade pelos livros, mas nunca tinha lido um. Ainda era livre. Existiam mil possibilidades para o meu futuro e nada me faria hesitar. Contudo, quando me vi enfiado naquele primeiro volume tudo mudou.
Lembro-me como se fosse hoje. Estávamos na Primavera. Lá fora o céu estava azul e o sol iluminava a montra da livraria. Todavia, para mim existia apenas um raio que iluminava o objecto mais belo que eu alguma vez havia visto. A sua capa era vermelha e tão luminosa, que parecia obscurecer a luz do próprio Sol. Para mim, que era novo, o amor era um sentimento desconhecido. Senti-me imediatamente arrebatado. Foi naquele romance que me afundei pela primeira vez. O livro narrava a história de dois amantes separados pelo tempo, dois destinos e uma história de amor. A combinação perfeita para a criação de uma dependência, que hoje me cerca.
Lastimo que as histórias de amor já tenham deixado de me fascinar. Descobri que não passam de mentiras. Bonitas à superfície e feitas para agradar ao leitor inexperiente. Porém, durante muitos anos, foram elas a minha perdição. Com o tempo mudei. Acontece a toda a gente. Agora o meu género favorito é a fantasia e o sobrenatural. A criatividade e o engenho de muitas destas histórias é tão espantoso, que dou por mim perdido em mundos distantes, enfrentando monstros terríveis e servindo-me da magia para os derrotar. Ultimamente parecem estar muito em voga, mas para mim Tolkien continua a ser o expoente máximo do género.
Eu sei aquilo em que estão a pensar. “Julga-se um génio sobre a literatura”. Não. Na verdade eu não me julgo, é aquilo que eu sou.
Imaginem que tem 45 anos e que todos os dias da vossa vida estiveram entre as páginas de um livro absorvendo cada letra, cada palavra, cada frase e por fim toda a história de um livro. Multipliquem por centenas de histórias e aí tem a quantidade de saber, que eu contenho.
Perguntam-se se tenho vida própria. Bem, na verdade sou um ser sem vida, um ser inanimado. Todos pensam que não sinto, que sou frio, ou que não tenho sonhos, mas enganam-se. Um marcador de livros está vivo.