Eli vivia num mundo à parte. Era uma daquelas raparigas de 14 anos, que espera por um príncipe encantado montado num corcel branco, que sonha em fazer uma grande viagem pelo mundo, conhecer povos e culturas diferentes, pintar lindas paisagens em aguarelas translúcidas. Mais do que tudo, sonha em ser livre para provar os sabores do mundo e da vida.
No entanto, no mundo em que agora vive, Eli nunca poderá realizar os seus sonhos. Pode dizer-se que esta jovem rapariga vive agora num lugar mágico, mas não com entusiasmo. Nada há de fantástico em viver num local esquecido. Em ter sido esquecida. Não, nada há de fantástico em ser uma gata doméstica. É isso mesmo que ela é. Um animal. Um animal irracional.
“Mas como foi que aconteceu?” Foi a pergunta que me ocorreu, quando me apercebi de que, de um momento para o outro, já não era um ser humano. A resposta é simples. As pessoas morrem.
A minha vida como humana foi curta. Vivia com os meus pais e o meu irmão mais novo nos subúrbios de uma pequena cidade do litoral do país, num apartamento nem muito grande, nem muito pequeno, nem muito bonito, nem muito feio. A minha família não era rica nem pobre. Éramos desafogados. Nos fins-de-semana passeávamos na praia, ou então fazíamos grandes jantares para toda a família. A minha mãe gostava de cozinhar e o meu pai animava toda a gente com a sua música dos anos 80. Na altura, eu não gostava muito dessas jantaradas. Agora sinto a sua falta.
Ia para a escola quando aconteceu.
Era uma típica terça-feira de Inverno. Decorria o mês de Fevereiro. Estava frio e um pouco enublado, e o vapor que eu expirava para a atmosfera fazia-me sentir quente e viva. Era agradável sentir o cheiro do ar da manhã. Frio e fresco, é como o recordo.
O caminho que eu usava para chegar à escola não era muito seguro. Usava-o apenas quando estava atrasada. Nesse dia, o despertador não tinha tocado. Estava muito atrasada. Enquanto acelerava o passo senti um movimento atrás de mim. Nunca gostei de me cruzar com estranhos. Aquele em particular fazia-me sentir arrepios. Acelerei. Porém, não era só uma pessoa que me seguia. Surgiram mais duas pessoas com um aspecto, no mínimo, duvidoso que subitamente pararam à minha frente. Sentia o meu coração a bater mais rápido. Algo não estava bem.
Quando os alcancei barraram-me o caminho. Agora estava mesmo assustada. Não tinha telemóvel e não passava muita gente por aquele caminho. Os três homens rodearam-me. Perguntaram-me se tinha horas. Automaticamente respondi que não. Era a verdade. Não tinha mesmo horas, mas os três homens não acreditaram. Esbofetearam-me e um deles retirou uma longa e afiada faca do cinto. Sei que era afiada, porque mais tarde, e depois de tentar escapar, fui esfaqueada 7 vezes. Não resisti. Não tinha sete vidas. Agora tenho.
(to be continued...)
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