Nunca me vou esquecer de um episódio que aconteceu numa passagem de ano, há uns anos atrás: Era de madrugada e estávamos a voltar para casa, quando os faróis do nosso carro iluminam uma cena muito triste; um cão, de porte médio, a arrastar-se com as patas da frente para a berma da estrada. O meu pai parou o carro e foi ver o que poderia fazer pelo coitado do animal, mas infelizmente não havia muito a fazer.
Casos como este acontecem todos os dias. As pessoas atropelam animais, algumas de propósito (porque ainda existem essas pessoas macabras...), e outras por acidente, mas em todos os casos, aquelas que levam esses animais ao Veterinário são muito poucas. Não as recrimino. Em época de crise, as prioridades económicas são outras e um caso destes, pode ascender, em muitas situações a valores superiores aos 500/700 euros! Dinheiro que nem toda a gente pode dispensar facilmente. Para agravar a situação não existem associações em número suficiente, ou com meios suficientes, para oferecer ajuda. Para ajudar o apoio do Estado é zero! Ainda assim ... tentem!
Ontem, quando estava a voltar para casa, deparo-me com uma situação idêntica. Desta vez uma gatinha (gato tricolor, é sempre do sexo feminino), deitada no meio da estrada, com a cabecinha levantada, mas os membros posteriores imobilizados. Contornei o animal e fui deixar o carro em casa, a pensar no que poderia fazer por aquele animal, já que desconhecia Associações da área que me pudessem ajudar (só conheço na minha cidade universitária) e ando lisa que nem um carapau. Reuni uma série de material de primeiros-socorros e fiz-me à estrada sem saber bem o que fazer, quando lá chegasse.
Este é um dos problemas do meu curso - somos ensinados a trabalhar com equipamentos todos Xpto, mas a formação básica acaba por falhar e ficamos um bocado à nora, quando não temos o equipamento da clínica, ou do hospital e nos deparamos com uma emergência no terreno. Felizmente, quando cheguei ao local, a gatinha já tinha sido levada por alguém para a clínica mais próxima.
Foi esta situação, e o facto de não me sentir preparada para ela, que me levou a criar este post sobre "Primeiros Socorros, no Caso de Atropelamento".
É crucial, informarem-se acerca das associações de protecção animal existentes na vossa zona de residência e dos contactos das mesmas. Ter este contacto no telemóvel é muito importante, pois apesar de muitas delas estarem sobrelotadas, podem ajudar a estabelecer uma resolução conjunta do problema.
1) Devemos aproximar-nos do animal com cuidado e preparados para a eventualidade de este demonstrar sinais de agressividade, se consciente. Mesmo que seja o nosso animal, a dor e a adrenalina associadas ao choque, fazem com que um animal consciente tente morder e fugir. No caso dos cães, podem usar uma ligadura, ou um atacador, para atar o focinho do cão, de forma a evitar dentadas. Não se esqueçam de garantir que o animal consegue respirar e não entra em colapso. No caso dos gatos, podem optar por colocar uma toalha em redor do tronco do mesmo, de modo a imobilizar as patinhas e evitar arranhadelas e mordeduras. Se tiverem luvas por perto, calcem-nas, pois são uma boa protecção contra as arranhadelas.
Como avaliar o pulso |
2) É preciso tirar o animal da estrada. Se for movimentada, aprecem-se! Se o animal aparentar ter alguma lesão na coluna, movimentá-lo pode ser um problema. Evitem a todo o custo fazer movimentos que impliquem dobrar a mesma. Idealmente, arranjem uma tábua, no caso de ser um cão de algum porte, e coloquem-no sobre a mesma, para o deslocarem para a berma/interior da estrada/do carro. Também podem optar por uma caixa, no caso de ser um animal pequeno.
3) Avaliar os sinais vitais do animal num local seguro é o próximo passo - mantenham a calma! - observem se há movimentos de respiração no peito do animal; para avaliar o pulso do animal, devem fazê-lo na região interna da coxa. Em caso de choque, vão sentir um batimento rápido e fraco. Nestes casos o animal vai estar frio e com as gengivas pálidas. É importante mantê-lo aquecido. Nestes casos é fundamental ser rápido a fazer o animal chegar à clínica.
4) Um dos problemas nos atropelamentos, é que muitas vezes o embate leva a leões internas, como as hemorragias. Um animal pode aparentar estar normal e colapsar passado algum tempo. Por isso é que é importante levá-lo na mesma ao veterinário, para verificar se está tudo bem (se houver orçamento :S). Verifiquem se existe hemorragia externa, que possa ser parada. Para isso usem uma toalha limpa, ou algum tecido que tenham à mão, o mais limpo possível, e apliquem pressão na região. Podem fazer um torniquete com ligadura, ou com um cordão, mas lembrem-se que este não deve permanecer apertado por mais de 10/15 minutos, sob o risco de levar a lesões das artérias e veias. Mantenham o animal aquecido, sempre que há perdas de sangue.
5) É habitual, nos casos de atropelamento, existirem lesões "de arrastamento", em que se verifica a existência de feridas extensas, com perda de pêlo e pele. Estas lesões estão muitas vezes conspurcadas e é necessário limpar as mesmas. Isto é um preocupação secundária num caso grave, mas por vezes, num caso de atropelamento menos grave (são poucos), podemos fazê-lo. Farei um post sobre o assunto em breve. Entretanto, podemos simplesmente cobri-las com gaze limpa até termos acesso a cuidados veterinários. Algumas destas feridas exigem a realização de cirurgia, para permitir o fecho das mesmas. Normalmente o que é feito é a realização de enxertos, em que se tira pele de um local em que haja muita, para transferir para uma zona em que não haja (normalmente para os membros).
6) No caso de colapso no local do acidente, o problema está no tempo que precisamos para fazer o animal chegar à clínica. Na maior parte dos casos, não temos tempo e o animal acaba por morrer. Embora a probabilidade de conseguirmos a reanimação de um animal nestes casos seja baixa, vou também tentar criar um post sobre como realizá-la.
Lembrem-se que apesar de muitas vezes não podermos tratar do animal, por falta de verba, não é humano deixarmos o mesmo na estrada. Existe sempre a opção da eutanásia e, apesar de algumas clínicas se recusarem a proceder à mesma, existem outras que o fazem e a dor do animal é aliviada no imediato. Esta é uma questão polémica, mas quando não existem outras soluções, esta passa a ser a principal opção, para os casos mais desesperantes.
Estes passos simples serão em breve complementados com explicações mais pormenorizadas de alguns dos procedimentos de que falei.
Estes passos simples serão em breve complementados com explicações mais pormenorizadas de alguns dos procedimentos de que falei.
2 comentários:
Olá,
Parabéns pela publicação.
Nem todas as pessoas têm esta consciência e muitas das que a têm não sabem o que fazer.
Como a minha irmã é enfermeira veterinária, eu já sabia de alguns destes conselhos. Também já me contaram que se nós nos dirigirmos a um centro veterinário, e contarmos o sucedido, uma vez que o animal não é nosso e estamos a prestar socorro, penso que legalmente a instituição é obrigada a dar assistência e não nos cobrar por isso ainda mais se o animal apresentar sinais de ser abandonado ou de rua. Afinal é uma vida de um ser vivo que está em jogo.
Bjs ;)
Obg Lina!
Infelizmente legalmente não há obrigação alguma. Se existe, é completamente ignorada. Já passei por uma situação em que peguei numa gatinha que estava moribunda na berma da estrada e levei-a ao Hospital Vet. Disseram-me: "consultas antes das 10h são urgência e custam 50 euros", mesmo depois de referir que tinha encontrado o animal.
Por sorte conhecia-a um rapaz que trabalhava com uma Associação protectora, que tinha um protocolo com outro Hospital Vet. A gatinha foi levada até lá e foi tentado tudo para a salvar. Infelizmente o caso não terminou com a sobrevivência do animal :(
Penso que a solução passa mesmo pelas Associações e pela sua capacidade de trabalharem em conjunto com clinicas e hospitais.
Cumps! :)
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