"Leitores como Nós"
é a nova publicação semanal (ou não) do Baú dos Livros. O objectivo é dar a
conhecer diferentes visões do mundo da literatura, dadas na primeira
pessoa, pelas pessoas que vamos seleccionando. Só temos um critério de admissão: gostar de ler!
Fomos saber o que João Tiago Ferreira acha sobre o mundo dos livros:
João Tiago Ferreira, 24 anos,
será em breve um arquitecto, mas entretanto vai personalizando essa designação
combinando o seu interesse pelo desenho, planeamento urbano, turismo, cultura,
educação... Com alguma dificuldade em localizar-se em Famalicão, prefere viver
no Porto, onde já estudou, assim como em Barcelona. Recentemente desenvolveu
uma investigação sobre quatro cidades de culturas distintas, as quais experienciou,
confrontando a identidade no contexto de globalização do seu crescimento.
BL:
Como descreverias os teus hábitos de leitura?
JTF- Preguiçosos…
fui apanhado! Diariamente leio muitos artigos para o meu trabalho de
investigação, principalmente online, e também muitas notícias e reportagens
sobre a actualidade. Mas confesso que me faz falta ler um pouco mais de
literatura, pois falta-me fluidez para expressar a velocidade das minhas ideias
por escrito.
Confesso
que a maior parte dos livros que li foi por obrigação (na escola), mas
devorei-os! Ficava viciado quando isso acontecia, também por, á partida, serem livros recomendáveis para a formação. Sou muito mais de aproveitar o tempo para estar
com as pessoas, de falar, e de produzir, e não valorizo tanto apenas a minha
companhia.
BL:
Durante a infância, qual foi o teu livro favorito? Porquê?
JTF- Lembro-me
de ficar muito orgulhoso quando li o meu primeiro livro sem figuras, Os cinco e
a ilha do Tesouro. Entre os 8-11 anos gostava de ler esses livros, mas diria
que O Cavaleiro da Dinamarca e O Principezinho foram daqueles livros que me
lembro de ler, acompanhado pelos meus pais, e que maior significado tiveram para
mim. O primeiro pela capacidade fazer parte de uma grande viagem, de descobrir
novos sítios, novas culturas, e que todos temos a possibilidade de fazer da nossa
vida uma epopeia. O segundo por me rever em todas as perguntas, e por me ir
explicando o mundo dos adultos, embora na altura não percebesse completamente
muita coisa. Mas é um livro que continuo a “ler”, na medida em que continuo
diariamente em processo de descodificação.
BL:
O que é preciso para classificares um livro como “bom”?
JTF- Uma
mensagem que nos transporte para fora daquilo que já conhecíamos antes. Sem uma
interpretação implícita da realidade, a meu ver, o livro está apenas a matar
tempo, e a distrair-nos. Para mim, um bom livro agarra-nos pelo desejo que
temos de querer saber mais, e evoluirmos, não para vivermos através deles.
BL:
Qual o teu escritor favorito?
JTF- Saramago.
Identifico-me imenso com a sua narrativa, a forma como encontra de fantasiar a
partir da realidade, e de coisas que realmente me preocupam sobre as pessoas.
Mais uma vez, descobri-o na escola e apaixonei-me com O Memorial do Convento.
Embora isto pudesse soar lamechas, quem leu o livro perceberá que me refiro à
aceitação da condição humana, e ensinou-me a viver tranquilo comigo próprio,
sem precisar de grandes formalidades, de prescindir de convenções, e
basicamente, a fazer aquilo que sinto, porque não há nada mais válido que isso
tudo. E por isso me enternece uma história em que as personagens descomplicam
uma coisa tão incompreendida como o amor sem necessitarem de qualquer tentativa
de o explicar. A partir daí, as suas obras constituem momentos de reflexão e
de gargalhadas com a acutilância do seu sentido crítico. E claro, tenho um
grande orgulho que represente tão bem Portugal.
BL: E o que não suportas? Quais as razões?
JTF- Historinhas
de sagas intermináveis de Bem VS Mal, de procura pelo amor ideal, de todas
essas convenções que deturpam a realidade das pessoas a uma expectativa
generalizada sobre uma convenção que reduz a nossa vida a preto e branco, azul
e rosa. Isto porque me entristece que, mesmo muita gente possa concordar com
este ponto de vista, acaba por ser sempre influenciada por esta pressão
generalizada, acabando
por limitar a liberdade de saberem aquilo que sentem. E isso é desperdiçar a
maior e provavelmente a única liberdade que temos.
BL: Qual é o livro que recomendarias a toda a gente? O
que tem de especial?
JTF- Repetindo-me, talvez O Principezinho, porque nos
consegue acompanhar desde crianças a adultos, e nos continua a dar lições de
vida a todas as idades. Quando o revisitamos, ficamos sempre surpreendidos
como achávamos que já o tínhamos lido, e afinal nos voltamos a esquecer.
BL: Que livro pensas que merecia uma adaptação
cinematográfica?
JTF- Esta é complicada, pois a minha resposta será muito
parcial. Gostaria de fazer uma adaptação cinematográfica sobre os meus avós.
Gostaria de ter a capacidade de escrever um argumento sobre como a lucidez é
uma coisa que nos acompanha cheia de partidas ao longo de toda a nossa vida, e
quando envelhecemos, os desencontros desse estado nos permitem descobrir coisas
que sempre estiveram diante de nós e que nunca demos valor, e como a perda
dessa lucidez é que nos faz querer viver mais e nos liberta a fazer o que
queremos antes que o nosso tempo acabe. Porque todos caminhamos neste sentido.
BL: Se tivesses que tatuar permanentemente uma frase
de um livro na testa, qual escolherias?
JTF- Provavelmente um ponto final para não ocupar muito
espaço… Principalmente na testa, não sou muito fã de tatuagens, muito menos de de
rótulos ou lições de vida, como se estivesse a fazer propaganda aos outros da
minha frase. Tenho as minhas frases e convicções, mas essas acompanham-me
dentro da minha testa. Nunca tatuaria uma frase porque vamos crescendo e as
frases que mais me dizem hoje, não serão as de amanhã, e não gostava de
cristalizar tão cedo. Um dia que reconheça que envelheci, ou que alguma coisa
na minha vida se tornar tão importantemente invariável, posso pensar em fazer alguma
tatuagem…
Esta foi a opinião do João Tiago Ferreira. E a tua? Para participares, entre em contacto com o Baú dos Livros!
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