O tema da eutanásia em humanos tem sido tópico de discussão constante, mas na veterinária é uma opção que existe há bastante tempo.
Este é um procedimento pelo qual os donos podem optar e que o medico veterinário deve realizar sempre que exista uma justificação válida (doença terminal e irreversível, que comprometa a qualidade de vida do patudo, ou agressividade que coloque em causa a segurança das pessoas, por exemplo). O animal é normalmente colocado com um catéter na veia e é sedado. Depois é utilizado um fármaco de administração intravenosa, que funciona como um anestésico em dose excessiva que leva à depressão do SNC e paragem dos batimentos cardíacos, com consequente morte do animal. O animal morre sem dor e como se estivesse a adormecer. Não estrebucha, não tem convulsões, não vocaliza, não sangra...adormece e já está.
Sou veterinária há pouco tempo (ainda nem há um mês), mas já tive de fazer três eutanásias. Em todas as situações a qualidade de vida dos animais (já idosos) estava seriamente comprometida, ou este encontrava-se doente terminal. Já não comiam, estavam com dor crónica e um deles já nem conseguia andar ou controlar as necessidades. Os donos optaram por terminar o sofrimento deles com a mínima dignidade (se é que isso existe no momento da morte).
No entanto, um dos casos deixou-me seriamente emocionada, ao ponto de escrever isto me fazer vir lágrimas aos olhos. Claro que no momento usei a minha melhor pokerface, tentando explicar o que se ia passar e o porquê de ser a melhor opção no caso daquele patudo. O gatinho estava com uma infecção generalizada e imunodeprimido. Estava prestes a entrar em paragem cardio-respiratória. Já não comia há vários dias e vocalizava com dores. Já era idoso e eu sabia que mesmo com mais dias de tratamento ele dificilmente iria salvar-se. Fui sincera na minha opinião e pus as opções sobre a mesa - continuar a tentar, mesmo com ele a sofrer, ou deixá-lo ir com tranquilidade. Os donos, um senhor já dos seus 50 anos e um rapaz de 16, estavam visivelmente emocionados e optaram pela segunda opção. O que mais me emocionou não foi a eutanásia em si. Eu sabia que era o melhor para o animal, mas a tristeza no olhar daquele rapaz é difícil de esquecer. O gato era o companheiro dele há 11 anos, ou seja, desde os 5 anos dele...custa-me mesmo a dor dos donos e não consigo ainda criar uma barreira que me impeça de sofrer um bocadinho com eles.
Pergunto-me muitas vezes o que poderia ter feito mais, o que teria acontecido se tivéssemos tentado mais tempo de tratamento, o que poderia ter feito melhor...Sinto que sou muito crítica em relação a mim mesma e que de certa forma isso é bom, mas que também acaba por prejudicar o meu bem estar emocional, fazendo-me sentir culpa e simultâneamente impotência depois de cada desfecho menos bom.
As pessoas dizem que com o tempo me habituo, mas será que quero criar esse tipo de barreira? Até que ponto é que não perco parte daquilo que significa ser humana?
3 comentários:
Para o bem e para o mal, acredito que tenhas mesmo de criar uma barreira, ou melhor, uma defesa para lidares com essas situações.
É o melhor para ti e para o teu equilíbrio emocional e também para os animais e donos pois poderás fazer o teu trabalho de forma eficiente.
Claro que não é necessário tornares-te um cubo de gelo sem sentimentos mas um certo afastamento emocional das situações mais delicadas é saudável.
O problema está em conseguir fazer isso! :/
Pois, a minha posição é confortável pois não sou eu que passo pelas situações. Opinar é fácil mas só quem passa por elas é que sabe.
A tua situação é daquelas que só o mestre Tempo poderá alterar.
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