sábado, 17 de outubro de 2015

"Emily L." de Marguerite Duras


Muitas vezes é fácil esquecer como o amor é algo tão complexo. Como consegue ser um conceito tão mutável. Estamos formatados para acreditar que tudo na vida deve ser linear; tudo ou preto, ou branco - o que é intermédio é duvidoso, não é correcto. 

"Emily L." de Marguerite Duras, publicado em 1987, fez-me pensar precisamente nisso. Nunca tinha lido nada desta escritora francesa, nascida em 1914. Comecei até por ter algumas dúvidas acerca do que estava a ler, por ser tão vago e sem o chamado "enredo clássico", mas no final estava já convencida que que sem dúvida é uma escritora que vale a pena explorar. 

A história centra-se em dois casais bastante distintos. O casal narrador, cujo romance se encontra já no final, cheio de dúvidas e incertezas, que observa um casal já idoso de ingleses, que apesar da vida, ainda se amam. Talvez não se amem como no início, mas sabem que se amam. Com as suas limitações e diferenças, foram seguindo a vida, sem muitas vezes duvidarem, apesar de o amor ir sempre mudando, ou de eles mesmos irem mudando. 

Acho que esta é uma questão que muitas vezes atormenta as pessoas dos dias de hoje. É uma questão que já me atormentou e que ainda me atormenta - a questão do que é suposto sentirmos quando se gosta de alguém VS o que é proibido sentir/pensar. Neste livro há uma carta, escrita em certa altura da vida da senhora do casal mais velho a um rapaz a quem também amou, que acho que espelha precisamente aquilo que é o amor e as barreiras que não lhe devem ser impostas:

"Esqueci as palavras adequadas. Sabia-as e esqueci-as, e aqui falo-lhe com o esquecimento dessas palavras. Contrariamente a todas as aparências, eu não sou mulher que se entregue de corpo e alma ao amor de uma só pessoa, mesmo que ela fosse o ser mais adorado da sua vida. Sou uma pessoa infiel. Bem gostaria de reencontrar as palavras que tinha reservado para lhe dizer isto. Eis que relembro algumas delas. Queria dizer-lhe aquilo em que eu creio, é que seria preciso conservar sempre adiante de nós, aqui está, reencontro a palavra, um lugar, uma espécie de lugar pessoal, é isso, para nele estar só e para amar. Para amar não se sabe o quê, nem quem, nem como, nem por quanto tempo. Para amar, eis que todas as palavras me voltam à memória, de repente...para conservarmos o lugar de uma espera, nunca se sabe, da espera de um amor, de um amor sem ninguém ainda, talvez, mas disso e só disso, do amor. (...)"

Quantos de nós não seremos também "uma pessoa infiel"? Acho que a resposta é - todos somos. Porque em todos nós deve haver um local secreto onde guardamos o nosso amor, que oferecemos das mais diversas formas, às mais diversas pessoas. Um lugar que reservamos só para nós e para os nossos pensamentos de amor, para as nossas paixões platónoicas, para os nossos pensamentos menos "correctos"...Esse lugar é nosso e só nosso e rejeitar a sua existência, como fazendo parte de nós é o mesmo que fechar os olhos a quem somos, convencidos de que o nosso amor é perfeito e imutável, quando é tudo excepto isso.



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