Tenerife, dois dias,339,99$ para duas pessoas. “Entre numa nova realidade.”
Para escapar à realidade há maneiras muito mais práticas e em conta. Basta entrar no café da esquina, ou do centro do prédio, se a esquina já estiver ocupada, afinal nada nos diz que os cafés tenham que ser todos na esquina, é mais força de expressão que outra coisa. Basta então entrar no café, onde quer que ele esteja, desde que, para ilustrar o ponto que quero fazer, fique já ali à mão.
Ora vejamos, para o observador incauto, um café não tem nada que se lhe diga. Mas esse mesmo observador, se olhar com olhos de ver, pode reparar no que eu quero dizer. Imaginemos então um café, numa esquina, para ser mais fácil. O velhote X a tomar o seu galão e bolo de arroz, um professor Y, – se a letra se trocasse com a do velhote, poderia dar azo a uma heróica confusão – na mesa, a ler o jornal. Ao fundo, um cavalheiro mexe os lábios sem falar, o servente ao de longe acena compreensivamente, e começa a realizar vigorosamente a tarefa que lhe incumbiram, se é que se pode tirar um café vigorosamente.
Mas o que vem a ser isto? Que código é este, em que alguém quase que indistintamente mexe meia dúzia de músculos faciais, deixa as cordas vocais quietinhas no seu lugar e é imediatamente compreendido? Em que outra situação social é que duas pessoas se entendem assim? Como não encontrei resposta a esta pergunta, talvez por não pensar nela o suficiente, vejo-me forçado a concluir que nos encontramos numa realidade alternativa. E posso provar isso.
Imaginemos uma instituição bancária, pública, e numa esquina, para melhor recriar os eventos que se passaram no tal café. Nessa instituição entra o cavalheiro de há pouco. Ao longe, mexe os lábios quase imperceptivelmente, também como há pouco. A resposta que obtém do Sr. Bancário é outro aceno de compreensão, como quem diz, Eu sei ao que vens e vou já tratar disso.
Vigorosamente começa a desempenhar a tarefa que lhe incumbiram, se é que um funcionário público pode desempenhar alguma coisa vigorosamente. Papel para aqui, papel para ali, Cavalheiro, está pronto. Quais não seriam as complicações logísticas desta interacção. O Sr. Bancário tinha terminado de preencher toda a papelada necessária para fazer um crédito de aforro em nome de Carlos Lino, quando o cavalheiro que estava à sua frente se chamava Januário da Costa e só queria fazer um assalto.
E aqui está a prova de que qualquer café pode ser uma realidade alternativa.
Café da Esquina, 0,60$ para uma pessoa, “Entre numa nova realidade.”
Luís Azevedo
3 comentários:
Eu ás vezes quando entro num comboio parece que estou na twilight zone...uma vez roubaram o mp3 a um tipo e ninguem se mexeu...foi so puxar e sair. Já agora era uma grande serie essa, pena já não dar...
cumps
É o inconformismo de que todos nós padecemos. Toda a gente estava à espera que a outra pessoa fiz esse alguma coisa e por isso acabaram por não fazer nada. Infelizmente nisso os comboios não têm nada de alternativo. Em qualquer outro lugar as pessoas reagiriam da mesma maneira.
Cumps
É verdade há pessoas ver conseguem alguém a sentir-se e continuar impavidas, quanto mais impedir um assalto...
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