segunda-feira, 26 de maio de 2014

Mas afinal qual é o problema dos Portugueses?


Hoje devia estar a estudar para a frequência de Cirurgia. Em vez disso, fiz uma pausa, fui comer sushi com o namorado (porque sabe-se lá, quando vamos poder estar juntos outra vez) e decidi escrever este pequeno texto sobre como é viver “no monte”.


Como quem segue o Baú sabe, já morei um ano na cidade do Porto. Todos os dias acordava e era a correria para o autocarro, com as minhas tralhas de Artes às costas e debaixo do braço; ao final da noite repetia-se o filme. Eram esperas, eram viagens de autocarro em lata de sardinha, era tentar não sufocar com o cheiro a suor, ou o perfume barato demasiado forte; eram as pessoas mal encaradas na rua e os olhares desconfiados, ou direccionados para o chão – era cada um por si.


Sei que Lisboa deve ser muito pior, mas sendo uma minhota de gema, não estava habituada à “civilização”. Eu achava que devia gostar daquilo. Afinal era “O PORTO”! O melhor do Norte está NO PORTO! Assim como o melhor do país está EM LISBOA!


A vida deu umas voltas e dei por mim a concorrer para outro curso, para outra Universidade, noutra cidade – Vila Real. Estava hesitante. “Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro? Que é isso? Não é tão boa como a UP, ou a UM! Ai não sei se quero colocar como primeira opção! Será boa?” O meu pai notou a minha hesitação e achou que eu estava a armar-me em menina da cidade: “Fica sabendo que o interior tem muita coisa, que o litoral nunca vai poder oferecer-te!“. Sinceramente não estava a pensar nisso. A minha hesitação vinha da escolha do curso e da instituição, não tanto de para onde iria. No entanto, nunca me esqueci daquelas palavras, que mais tarde se revelaram tão verdadeiras. Ainda hoje, quando digo que estudo Veterinária em Vila Real, algumas pessoas torcem o nariz e dizem com ar de superioridade “Isso é para os lados de Espanha, não é? Não sabia que lá tinham Veterinária!” 


O meu texto de hoje é para essas pessoas. Sim, pode-se ir para Espanha por Vila Real, assim como se pode ir por Viana, ou Elvas, no Alentejo. Mas vocês saberiam isso se fossem consultar um mapa, ou melhor, se fossem visitar o vosso país, antes de apanharem o avião para ir num fim-de-semana relâmpago a Londres. Não sou contra fins-de-semana, ou férias no estrangeiro (quem sou eu para falar!), mas sou contra quem não quer abrir os olhos e valorizar o seu próprio país por comodismo, ou por sentimentos de superioridade. Sou contra quem decide emigrar, porque diz que é melhor que voltar ao interior de Portugal. Sou contra quem diz que “antes trabalhar num Hospital em Luanda, que ir para o interior!” (sim, porque já ouvi coisas destas). 


Estou há cinco anos em Vila Real. Gosto mil vezes mais do que viver no Porto. Levar-me para Lisboa era matar-me de stress! Aqui, acordo todos os dias, abro a minha janela e grito às montanhas “BOM DIA VILA REAL!”. Respiro o cheiro do chão molhado num dia de chuva, ou aprecio os montes com neve; vejo os pássaros, que um dia gostava de saber identificar, e, se vou sozinha, aprecio o silêncio de um começo de dia, ou de um fim de tarde. Vou correr por trilhos de terra batida, sem ninguém a ver e sem ter de me desviar de ninguém. As pessoas dizem-me bom dia, mesmo não me conhecendo e na padaria até nos oferecem pães, ou bolos, porque sobraram do dia anterior. No Verão é tempo de passear nas margens do rio Corgo, de comer gelados e de correr de biquíni por entre o sistema de rega, que liga inesperadamente. Ao fim de semana volto para a minha cidade natal. Demoro uma hora e quinze minutos a chegar. Só mais meia hora do que o tempo que perdia numa viagem de autocarro pelo Porto até à Universidade. Vou sentada e com espaço. É uma viagem sossegada. 



Sabe bem voltar ao Minho. Mas, não esqueço a vista magnifica da minha janela durante a época de aulas; não esqueço a simpatia das pessoas; não esqueço as viagens com os pais ao interior Norte, Centro, ou Sul; não esqueço as que depois realizei por iniciativa própria; não esqueço tudo aquilo que o interior me pode oferecer, que o litoral e os da “civilização” nunca poderão.

 

2 comentários:

Isabel Maia disse...

Posso assinar por baixo? A maioria das pessoas não tem noção das belezas que este país tem.
Eu nasci no Porto, estudei no Porto, adoro a cidade mas estou como tu, odeio a confusão dos transportes públicos. Sardinhas em hora de ponta não é a minha forma preferida de começar ou acabar o dia.
Mesmo assim, sempre que tenho que ir a Vila Real fico feliz da vida. A minha família tem uma grande ligação à cidade e à UTAD (um tio na área florestal,outro na zootecnia e uma prima no mesmo curso que tu). Passear junto ao Teatro Municipal, ir comer as Cristas ou os Pitos de Sta. Luzia, parar no Restaurante Maria do Carmo para saborear o Polvo grelhado com batata a murro...
Se tivesse que trocar Vila do Conde por Vila Real, fazia-o de bom grado.

Alu disse...

Infelizmente acho que as pessoas só vão voltar a olhar para o interior do país, quando começarem a voltar, por força do avanço do mar, ou por mudança de mentalidade (qualquer uma delas, vai demorar séculos). Entretanto nós, os privilegiados, temos o Reino Maravilhoso ao nosso dispor!

Nunca experimentei esse restaurante! Vai para a lista! Adoro as iguarias docinhas da pastelaria "Dibia" :D

Estive em Zootecnia um ano e muitos dos professores que me deram aulas em Medicina Veterinária são zootécnicos. Se calhar até conheço o teu tio! :)