Saudações, caros leitores. Espero
que a vossa quarentena esteja a correr bem, que se encontrem saudáveis e que a
ansiedade não vos esteja a deixar paralisados de medo.
Medo. Essa sensação que anda a
transformar a nossa vida. Caminhamos entre casa e trabalho (ou supermercado,
para quem não pode trabalhar), sempre cabisbaixos, silenciosos e sem sorrisos. Sente-se
o peso da preocupação em qualquer sítio que se vá. Os supermercados tentam
manter-nos calmos. Ouvem-se músicas animadas, mas para onde quer que se olhe,
vêem-se pessoas de máscara e/ou luvas. Algo não bate certo. Somos recordados do
tempo estranho em que vivemos.
As minhas últimas semanas tem
sido passadas entre a clínica e o meu quarto. Felizmente a casa onde estou tem
jardim, e a minha cadelinha tem de ser passeada pelo menos duas vezes por dia.
No meio desta confusão (por incrível que pareça), consegui finalmente arrendar
um apartamento. Mudo-me em Maio. No entanto, não deixo de me sentir solidária
com quem tem de partilhar casa com desconhecidos. Talvez seja uma oportunidade
para criar amizades improváveis (e forçadas)?
A vida na clínica sofreu mudanças
drásticas, como seria de esperar. O nosso trabalho foi reduzido apenas para o essencial
e urgente e os tutores dos animais não entram na clínica. A recolha da história
clínica é feita na rua, esteja sol, chuva, calor, ou frio. Nós equipados com máscara,
luvas, óculos e bata, respeitando sempre a distância de segurança. No início estávamos
receosos com a reacção das pessoas - “Será que vão achar que estamos a exagerar?”
- Hoje, passadas duas semanas, há tutores que deixam a caixa transportadora com
o seu gato à porta e fogem para dentro do carro.
Para quem é introvertido e não
aprecia as interacções em consulta, isto é um sonho tornado realidade. Para mim
fica tudo mais difícil. Nunca fui particularmente extrovertida (apesar de ser
uma tagarela, com quem me sinto à vontade), mas a presença dos tutores é
maioritariamente útil. É através das suas histórias e comentários, que conseguimos
perceber alguns mistérios associados ao problema do animal. É através da
comunicação, que conseguimos perceber o tipo de tutor que temos à frente e
quais as suas expectativas. Mais do que ajudar o animal, acabamos por também
ajudar as pessoas.
Outra coisa que temos tentado
fazer é manter as pessoas em casa. Neste momento de ansiedade e impaciência, é
incrível a quantidade de pessoas que liga para agendar cortes de unhas, banhos
e tosquias. Obviamente, recusamos o serviço. Não é urgente. Estamos no meio da
fase de mitigação e é importante que fiquem em casa e em segurança.
Apesar destas dificuldades, é
importante manter a calma e contornar os obstáculos. Mais do que nunca, os
médicos veterinários são necessários.
Ao escrever este pequeno comentário
acerca dos nossos dias, não posso deixar de me sentir um pouco como uma
personagem de um filme de ficção. Aquilo que aqui fica registado, no meio de
tanta informação acerca da pandemia, é só mais um testemunho de um ponto de
viragem histórico na sociedade ocidental. Isto é história. Depois disto, há
muita coisa que não voltará a ser igual.
Oxalá que também venham coisas
boas desta pandemia. Oxalá os nossos governantes deixem de ignorar os problemas
que realmente interessam: a melhoria dos SNS, o investimento sério na educação
e o não ignorar das questões ambientais que põem em risco o futuro do Mundo e dos
seus habitantes. Os problemas não se podem ignorar, ou atirar para debaixo do
tapete. O que acontece, quando se faz isso, é isto que agora estamos a viver.
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