Não sou muito dada a acompanhar Facebooks de pseudo-celebridades portuguesas. Mas fiquei curiosa, quando o João Manzarra se tornou vegetariano e quis saber quais as suas motivações.
Ao que parece, viu um vídeo na Internet e decidiu tomar essa decisão em relação ao seu estilo de vida. Fico feliz por ele. Como ele, eu como pouquíssimo carne e não sou menos feliz por isso (limito-me às de frango, perú e ao peixe...muito raramente permito-me o luxo de comer bacon ou presunto, ADMITO!). Para além desta pequena diferença entre os nossos estilos de vida, está o de ele ser um rapazinho com a mania que é engraçado, que responde de forma bastante rude a quem não partilha da opinião dele.
Sim, concordo que muitas das coisas que ele (e muitos outros Vegan fundamentalistas) defende são verdades: a pegada ambiental associada à produção animal é gigante e de certeza, que num futuro próximo, não vai ser possível continuar a comer bifes, como se fossem bolachas (what?).
O que estas pessoas não percebem é que não vão conseguir, com argumentos fundamentalistas do género "os animais são como as pessoas", acabar com algo tão intrínseco como a produção animal, que existe praticamente desde que os humanos andavam na sua vida de nómadas; isso não vai simplesmente desaparecer! Para além do facto de a maior parte de nós simplesmente não ter força de vontade, ou mesmo vontade, de deixar de comer carne, existe o grande e poderoso lobby da Produção Animal. Mexe com biliões de euros por ano, com os interesses de muita gente e portanto, nunca vai desaparecer. Lamento informar-vos com a realidade.
Mas não se preocupem. Não sou comodista, nem acho que devemos ser. Existem coisas que as pessoas podem fazer, para alterar a situação. Coisas que, a meu ver, não precisam de ser tão radicais, para serem igualmente eficazes.
Em primeiro lugar, devem conhecer a realidade do vosso país e o que o distingue dos outros. O que me irritou naquela conversa no perfil do Manzarra, foi o facto daquele "menino da cidade", assumir que um vídeo que viu na Internet é verdadeiro, pela simples razão de estar na Internet. Custa a crer, que um ser humano de 20 e tal anos, supostamente viajado e instruído, não tem discernimento para assumir algo tão simples como isso, respondendo às pessoas que o comentam com "segundo este site", ou "pesquisa na Internet".
Se uma pessoa, que trabalha na área da produção animal, lida com isso todos os dias e sabe do que está a falar, te comenta, se calhar não precisa de referências de Internet, porque viu, estudou e sabe mais do que tu, que viste um vídeo e leste umas coisitas nuns sites manhosos. Tentem conhecer a realidade, através da realidade, antes de a criticarem baseando-se em vídeos ou no diz que disse.
A produção animal, na maior parte da Europa, não está sujeita à mesma legislação dos países da América, ou Ásia. Nós (União Europeia), temos as nossas próprias regras, que estão cada vez mais direccionadas para o bem-estar animal (sabiam, por exemplo, que desde 2013 as porquinhas estão proibidas de estar presas em jaulas individuais, durante o seu período de gestação? Há uns anos atrás estavam presas por cintos num espaço minúsculo! As coisas estão a mudar!). É absurdo e completamente ilegal ter os hectares e hectares de animais em produção, como o que acontece na Argentina, ou no Brasil. Hectares esses, que estão na origem da crise de desflorestação e desertificação. Se querem tomar medidas efectivas, comprem apenas produtos com origem em países que tenham estas questões em atenção. Sejam consumidores atentos e responsáveis!
Uma das coisas que mais me custou durante estes cinco anos de Medicina Veterinária, foi sem dúvida visitar os Matadouros. No entanto, foi algo pelo qual me sinto grata, porque cada vez que meto um pedaço de carne na boca, faço-o em plena consciência de quanto é que aquilo custou. Sei como é que veio parar ao meu prato.
A maior parte das pessoas desconhece como é que os animais são abatidos. É um mundo obscuro, à parte dos comuns mortais e é assim, porque interessa às empresas, que assim seja. Se toda a gente do planeta tivesse que passar um dia num matadouro, de certeza que pelo menos 1/3 delas deixaria de comer carne.
Só para que saibam, os animais, antes de serem mortos (através da sangria), são insensibilizados. O problema dessa insensibilização, é que nem sempre é bem feita. Dos sítios que visitei, só um deles me deixou completamente descansada em relação ao sofrimento dos animais. Nesse local usavam um sistema de CO2, para adormecerem os animais até um estado de morte cerebral, totalmente indolor. O problema é que esse sistema é caro, por isso nem todos os matadouros o têm. Com o tempo, acredito que o panorama mude!
Ainda assim, apesar de acreditar que as mudanças devem ser graduais, e não querendo ser fundamentalista, há coisas a que me oponho totalmente. Uma delas é o comer "animais bébés". Só mesmo não tendo ideia de que um leitão é um porquinho de 2 meses, ou que um cordeiro é a coisa mais fofa do mundo, é que alguém os consegue comer! Tive a infelicidade de ter de assistir ao abate de mais de uma centena de leitões e cordeiros, de os ver vivos e em fila, e depois de os ver mortos e senti-me absolutamente revoltada. Comer leitão, cordeiro, ou vitela é um capricho! E mais uma vez volto a dizer sejam consumidores atentos e responsáveis!
Um dia vai existir carne sintética e os animais não vão ter de sofrer mais, mas enquanto isso não acontece, não é com acções fundamentalistas, ou baseadas em modas, que as coisas vão mudar. Há que começar pelas pequenas coisas. Como futura veterinária, espero conseguir assegurar a melhor vida possível aos meus "pacientes", mesmo que saiba que a sua vida terminará na panela de alguém. Não posso impedir isso, mas posso tentar trabalhar com o que existe e ajudar a mudar as coisas, um passo de cada vez.