Saramago era o meu escritor favorito. Ainda gosto de ler o que ele escreve, mas últimamente já não consigo apreciar a sua escrita da mesma forma. Como não foi ele que mudou, vou assumir que fui eu. Ás vezes acontece.
No inicio do mês passado, comecei a ler "O Homem Duplicado" no velhinho Kindle, enquanto voava para e da Alemanha. Desde que aterrei não senti a mínima vontade de regressar a essa leitura. Isto já me aconteceu com "O Ano da Morte de Ricardo Reis", que também acabou por ficar a meio.
Cada vez acho mais que Saramago cativava o meu eu adolescente; revoltado com o mundo e um nadinha menos capitalista. A escrita é fluída e directa (como não haveria de ser, quando a pontuação escasseia?), mas simultaneamente tem o tom da ironia e da revolta, para com o mundo e sobretudo para com Deus. Já não me revejo nesses sentimentos.
Não é que acredite mais em Deus, do que acreditava há meia dúzia de anos atrás. Mas sinto-me bem mais flexível e menos formatada para ver só o preto, ou o branco das situações.
Continuo a gostar de Saramago, mas já não gosto tanto. Acho que não tem mal admitir que mudamos. No entanto, o aceitar que se muda, e que aquilo que gostamos não é imutável, não é uma ideia reconfortante, para quem não gosta de mudanças. Acho que por isso existem pessoas que continuam a dizer que adoram uma determinada coisa, por uma questão de coerência. Se ela não se mantiver fiel ao que sempre foi, o que nos garante que as outras pessoas também não irão ser instáveis como nós? Mas a verdade é que toda a gente é "instável". Só não será instável, quem viver numa redoma de vidro.
Por isso admito, sem vergonha: já gostei mais de ler Saramago.
Por isso admito, sem vergonha: já gostei mais de ler Saramago.
2 comentários:
Percebo perfeitamente. Os grupos musicais que gostava quando andava a estudar, são grupos que já nem sei nada como andam agora. Deixei de gostar. Também já mudei de escritor preferido. E de loja de roupa preferida. Acho que é bom sinal. As pessoas mudam.
Mas sinto que há quem (como eu, ás vezes) ainda tenha vergonha de admitir que muda. É quase como uma infidelidade ao nosso carácter.
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