Hoje devia estar a estudar para a
frequência de Cirurgia. Em vez disso, fiz uma pausa, fui comer sushi com o
namorado (porque sabe-se lá, quando vamos poder estar juntos outra vez) e decidi
escrever este pequeno texto sobre como é viver “no monte”.
Como quem segue o Baú sabe, já
morei um ano na cidade do Porto. Todos os dias acordava e era a correria para o
autocarro, com as minhas tralhas de Artes às costas e debaixo do braço; ao
final da noite repetia-se o filme. Eram esperas, eram viagens de autocarro em
lata de sardinha, era tentar não sufocar com o cheiro a suor, ou o perfume
barato demasiado forte; eram as pessoas mal encaradas na rua e os olhares
desconfiados, ou direccionados para o chão – era cada um por si.
Sei que Lisboa deve ser muito
pior, mas sendo uma minhota de gema, não estava habituada à “civilização”. Eu
achava que devia gostar daquilo. Afinal era “O PORTO”! O melhor do Norte está
NO PORTO! Assim como o melhor do país está EM LISBOA!
A vida deu umas voltas e dei por
mim a concorrer para outro curso, para outra Universidade, noutra cidade – Vila
Real. Estava hesitante. “Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro? Que é
isso? Não é tão boa como a UP, ou a UM! Ai não sei se quero colocar como
primeira opção! Será boa?” O meu pai notou a minha hesitação e achou que eu
estava a armar-me em menina da cidade: “Fica sabendo que o interior tem muita
coisa, que o litoral nunca vai poder oferecer-te!“. Sinceramente não estava a
pensar nisso. A minha hesitação vinha da escolha do curso e da instituição, não
tanto de para onde iria. No entanto, nunca me esqueci daquelas palavras, que
mais tarde se revelaram tão verdadeiras. Ainda hoje, quando digo que estudo
Veterinária em Vila Real, algumas pessoas torcem o nariz e dizem com ar de
superioridade “Isso é para os lados de Espanha, não é? Não sabia que lá tinham Veterinária!”
O meu texto de hoje é para essas
pessoas. Sim, pode-se ir para Espanha por Vila Real, assim como se pode ir por
Viana, ou Elvas, no Alentejo. Mas vocês saberiam isso se fossem consultar um
mapa, ou melhor, se fossem visitar o vosso país, antes de apanharem o avião
para ir num fim-de-semana relâmpago a Londres. Não sou contra fins-de-semana,
ou férias no estrangeiro (quem sou eu para falar!), mas sou contra quem não
quer abrir os olhos e valorizar o seu próprio país por comodismo, ou por
sentimentos de superioridade. Sou contra quem decide emigrar, porque diz que é
melhor que voltar ao interior de Portugal. Sou contra quem diz que “antes
trabalhar num Hospital em Luanda, que ir para o interior!” (sim, porque já ouvi
coisas destas).
Estou há cinco anos em Vila Real.
Gosto mil vezes mais do que viver no Porto. Levar-me para Lisboa era matar-me
de stress! Aqui, acordo todos os dias, abro a minha janela e grito às montanhas
“BOM DIA VILA REAL!”. Respiro o cheiro do chão molhado num dia de chuva, ou
aprecio os montes com neve; vejo os pássaros, que um dia gostava de saber
identificar, e, se vou sozinha, aprecio o silêncio de um começo de dia, ou de
um fim de tarde. Vou correr por trilhos de terra batida, sem ninguém a ver e
sem ter de me desviar de ninguém. As pessoas dizem-me bom dia, mesmo não me
conhecendo e na padaria até nos oferecem pães, ou bolos, porque sobraram do dia
anterior. No Verão é tempo de passear nas margens do rio Corgo, de comer gelados
e de correr de biquíni por entre o sistema de rega, que liga inesperadamente. Ao
fim de semana volto para a minha cidade natal. Demoro uma hora e quinze minutos
a chegar. Só mais meia hora do que o tempo que perdia numa viagem de autocarro
pelo Porto até à Universidade. Vou sentada e com espaço. É uma viagem
sossegada.
Sabe bem voltar ao Minho. Mas, não
esqueço a vista magnifica da minha janela durante a época de aulas; não esqueço
a simpatia das pessoas; não esqueço as viagens com os pais ao interior Norte, Centro, ou Sul; não esqueço as que depois realizei por iniciativa própria; não esqueço tudo aquilo que o interior me pode oferecer, que o
litoral e os da “civilização” nunca poderão.