Porquê que continuo a espantar-me, sempre que acho um clássico fácil de ler?! Talvez seja o mito generalizado de que é obrigatório um clássico ser complexo, inelegível e aborrecido. Não será tão animado como certas cenas pornográficas de alguns livros que por aí andam, mas para quem acha isso e se sente intimidado pela própria palavra “clássico”, chegou a hora de rever aquilo que acham do género (se é que se pode considerar um género).
Cada vez me convenço mais de que somos formatados para ter medo deles, quando, na maior parte das vezes, não há nada a temer! Um bom clássico, deve conseguir ultrapassar a barreira do tempo e, como tal, tem de ter uma linguagem acessível. O verdadeiro problema destes livros acaba por não estar na obra em si, mas sim na interacção com o leitor e na forma como este interpreta o que lê, ou na forma como lê. Muitas das ideias de um Clássico passam despercebidas a um leitor menos atento; Muitas são tão simples que, ao leitor demasiado atento, que lê como que para decifrar um código (como nos tentam ensinar na escola), acabam por parecer incompletas, ou indecifrável; pessoalmente gosto de ler sobre os livros depois de os terminar, para tentar complementar a minha interpretação e ver se de facto corresponde ao que li.
Voltaire, escritor iluminista, é o autor de “Cândido, o Optimista”. Dando voz à forma de pensamento da sua era (Século das Luzes), em “Cândido, o Optimista”, somos brindados com as desventuras do herói homónimo, que tendo nascido como um nobre menor, vê os seus direitos revogados, por se apaixonar pela rapariga errada. As desventuras deste herói, jovem, ingénuo e simultaneamente optimista, vão sendo relatadas em tom de sátira. As personagens secundárias que vão surgindo, vão fazendo Cândido pensar para além do que o seu professor, defensor do optimismo incondicional, lhe ensinou e a verdadeira natureza da vida e vai sendo revelada na sua verdadeira magnitude.
Ao ler este livro, e sabendo que foi escrito numa época totalmente diferente, não posso deixar de pensar que existe um paralelismo entre Voltaire e Saramago; É uma comparação ingénua, ambos foram bastante críticos face à Igreja e à sociedade, embora o último tivesse mais liberdade para tal, do que Voltaire possivelmente teria na época pré-Revolução francesa (Ele foi exilado por pensar e escrever o que achava! Saramago só não foi apoiado pelo Estado português).
Deixo aqui uma passagem da qual gostei:
“- Achais que os homens sempre se têm ocupado em massacrar-se uns aos outros, como agora sucede? – Prosseguiu Cândido. – Achais que sempre tenham sido mentirosos, velhacos, pérfidos, ingratos, ladrões, fracos, levianos, cobardes, invejosos, comilões, bêbedos, avarentos, ambiciosos, cruéis, caluniadores, debochados, fanáticos, hipócritas e estúpidos?
- E vós, senhor – disse-lhe Martim -, achais que os gaviões sempre tenham comido quantas pombas conseguem apanhar?
- Claro que acho – respondeu Cândido.
- Pois se os gaviões têm conservado sempre o mesmo carácter, porque haviam os homens de ter mudado o seu? – continuou Martim.”