Estava uma bela manhã de Domingo. Peguei na trela e saí com a R para uma correria no parque. Infelizmente, esqueci-me dos lenços e, como tenho tendência para afogar-me em ranhos, quando vou fazer exercício, achei melhor voltar para trás.
Vinham dois senhores de fatinho a descer a rua e não consegui escapar-me:
- Bom dia, menina! - saudou o mais velho dos dois - Posso deixar-lhe esta revista para dar uma leitura? - perguntou ele.
- Bem, poder pode, mas cá em casa já temos as nossas próprias crenças - respondi eu de forma descomprometida.
- Sim menina, mas sabe quem escreveu estas sábias palavras? Foi um grande Homem! Moisés! - Exclamou ele, enquanto me estendia a revista.
- Sim, deve ser, mas eu não acredito em Deus. Eu sou budista.
Os senhores olharam para mim como se eu fosse o Diabo em pessoa e perguntaram-me como acreditava que a minha bela cadela R tinha sido obra do acaso e não de um criador omnipresente? Não me considero mesmo budista. Não realizo qualquer tipo de ritual budista, desconheço a maior parte da mitologia budista, mas gosto da filosofia de vida "Faz o bem e recebe o bem; Sê má e pagas por isso mais cedo, ou mais tarde, de uma forma, ou de outra.". Por outras palavras, acredito no conceito de karma e acredito na mutabilidade de tudo; nada dura para sempre, está tudo em constante mudança. Por isso ultimamente, tenho tentado aplicar alguns simples princípios do budismo no meu dia-a-dia e sinto-me mais feliz.
Os senhores continuaram o seu diálogo:
- Mas sabe porque estamos aqui? - perguntou o mais novo.
- Hmm...para viver? - disse eu, não entendendo bem onde ele queria chegar.
- Não! Aqui! Sabe porque estamos aqui hoje? Para lhe trazer a palavra de Jeová. O único e verdadeiro Deus, que nos salvará do fim do mundo. O fim está próximo e só os bons, aqueles que crêem em Jeová, permanecerão na Terra. Será o Paraíso na Terra, livre de todo o mal. - argumentou ele.
- Pois. O mundo também ia acabar em 2012 e ainda aqui estamos. Além disso, quando acabar mesmo, eu já não vou cá estar, nem o senhor. Eu fico feliz que os senhores acreditem no vosso Deus. O ser humano precisa muitas vezes de acreditar em alguma coisa. Pode ser em Deus, Jeová, Alá, ou outro qualquer. Os princípios da religião são todos os mesmos; praticar o bem, mostrar compaixão, etc etc. Se toda a gente parasse de tentar impingir a sua religião aos outros não se travariam tantas guerras e o mundo seria mais calmo.- respondi eu.
- Sim menina, mas deixe-me só ler-lhe este pequeno maravilhoso e belo texto - o homenzinho sacou da Bíblia da sua pastinha de couro e disse - Ismael blá blá blá - tentei prestar atenção - Então? Não achou maravilhosa a palavra de Jeová? - perguntou ele.
- Hmmm...desculpe, mas não senti nenhum click cá dentro - disse eu começando a afastar-me.
- Menina, tenha um bom dia. - disseram eles.
Eles não entenderam nada do que eu disse. Pois não?